“vamos criar uma coisa, uma batida, vamos descobrir!” relembra gustavo di dalva

Imagem: Gustavo Di Dalva com Leo Bit Bit (à esq), Ivete Sangalo e Boghan (à dir.). Acervo pessoal Leo Bit Bit.

“Eu cheguei muito jovem no Candeal, 11 pra 12 anos, era 1990 por aí, quando ainda não existia a escola Pracatum. Existia um movimento dos moradores, pessoas que encontraram Brown no caminho, querendo virar músico, investir na arte, descobrir um dom ou explorar esse dom, a partir dali.

 

Ultimamente eu tenho falado sobre isso, tenho revisitado esse passado próximo. Eu tenho uma relação com Brown de família mesmo, ele frequentou muito a minha casa, onde fui criado. Eu sou afilhado de Tony Mola, meu padrinho-pai que foi parceiro de Brown na Acordes Verdes (a banda de Luís Caldas). Eles começaram o movimento, isso é fruto de um sonho.

 

Tudo que veio acontecendo com a percussão tem a parte antes e depois deles. Foram responsáveis por todo esse movimento que aconteceu com a percussão que se desenvolveu, a partir desses encontros lá em casa e outros amigos percussionistas. Eles estavam fazendo laboratório, enxergando novas possibilidades para a percussão baiana e tinham esse núcleo lá, onde eles estudavam.

 

Isso foi no Taboão, era a casa que a gente tinha, a minha mãe era doméstica e eu fui apadrinhado por Tony, quando nasci. Eu fui criado convivendo com essa turma de percussionistas que iam todos pra lá, por conta de meu padrinho ser o  primeiro percussionista a ter estúdio, um lugar pra tocar sem que ninguém reclamasse e que pudessem fazer pesquisas e estudar e, por isso, muita gente foi pra lá. Eles estavam nessa busca. Eu tenho essa relação com Brown desde aí em 1985 -7, eu tinha 5, 7 anos.

 

Lá iam Ramiro Musotto, Toni Batera, Vovô Salamandra, era uma turma que estava descobrindo outras possibilidades, porque até então a gente só tinha o afro-baiano e o samba, claro, como grande influência, a percussão de rua, as baterias, mas só existia um ritmo que era o samba afro. Então todas as percussões de rua tocavam o mesmo ritmo, enfim acho que a inquietude deles era essa: vamos criar uma coisa, uma batida, vamos descobrir, pode misturar isso, pode misturar aquilo, eles estavam nessa pesquisa. Tanto que Neguinho do Samba também chegou aí, conheceu essa turma e desenvolveu o samba-reggae através disso também. Brown até conta isso numas postagens do Instagram, ele lembrou dessa época. E foi bem o que eu vi, inclusive isso: Neguinho do Samba criar o samba-reggae, parte dali também.

 

Então eu venho dessa convivência com eles. E quando Brown criou o Vai Quem Vem, com os meninos do Candeal, ele me chamou pra fazer parte. Ele disse: a gente vai fazer uma apresentação na Estação da Lapa. Era um projeto de shows às 18 horas, eu fui ver, adorei, era bem progressivo o Vai Quem Vem, tocava hip hop, uma coisa que não era muito comum no Brasil ainda, era tudo novo, aquela percussão toda…  e aí eu fui pro Candeal, já indo pros ensaios.

 

Candeal era barro, comunidade mesmo, eram ensaios semanais , geralmente aos sábados, às vezes sexta e sábado, até a gente ir gravar com Sérgio Mendes (1992). Tinha muitas visitas porque Brown tinha o projeto social e ele mostrava o que tava fazendo e já tinha conexão com muitos artistas e muitos produtores. Então essa galera ia lá comer o feijão de dona Madalena e a gente tocava um pouco, fazia uma mini apresentação.

 

Naquela época, eu não sei se vou recordar todos, mas tinha Boghan, Leo Bit Bit, Brito, Nito, Denilson (cantor que faz os tripés, faz aros de surdo), Folka (cantor), Alexandre Guedes (cantor), Renato Trovoada (timbau), Cosminho (bacurinha), Leninho (surdo virado), Vado (fundo) tinha uma galera do Alto Saldanha que ficou sabendo da banda e migrou pro Candeal, e eu tocava timbau. Não era um grupo muito grande não, tinha uns 15, 20, diferente da Timbalada que já começou com 50. Porque aí também veio muita gente de fora, vieram os meninos de samba e tal.

 

Antes do Vai Quem Vem, os meninos já tinham um grupo de samba ali no Candeal , Leo, Boghan e mais uma galera, essa coisa de samba de bairro, o samba junino. Eles já tinham esse grupo, Samba Alameda, e estavam coletando recursos pedindo a lojistas, donos de bar, a comunidade , vizinhos. Brown já viajava, já tinha uma carreira, eles pediram ajuda a ele. Brown deu e nisso enxergou que podia fazer uma coisa com os meninos e foi daí que começou a fazer o Vai Quem Vem.

 

Brown tinha uma conexão muito forte com Neguinho do Samba, que deu muita força pra ele fazer os instrumentos, levou no menino que fazia os surdos do Olodum. E falou: você tem que fazer uma coisa pra bastante gente, seu projeto é legal, seus ritmos são legais, mas você tem que criar um ritmo pra botar todo mundo pra dançar. Ali foi o início. Eu não tocava nessa época, mas sei dessa história. Brown foi um visionário, ele foi enxergando que podia ir muito mais além do que imaginava.

 

o laboratório Vai Quem Vem          

 

Com o Vai Quem Vem tinha esses ensaios que a gente fazia semanais na OAS, não tinha nem aqueles prédios lá, cada um carregava seu instrumento, às vezes, a gente ensaiava na casa de Brown, mas aí incomodava os vizinhos e a gente passou a ensaiar na OAS. Depois ele fez um estúdio na casa dele (de Madalena), então a gente fez umas coisas lá também, mas quando a gente ia experimentar, tocar com volume, a gente ia pra rua.

 

Cada um fazia uma coisa, mas basicamente partia de Brown muita coisa, porque era a pesquisa dele, era a busca dele, era o que ele estava experimentando, a gente só estava ali pra executar. Até o momento que se permitiu que cada um fizesse alguma coisa. Eu mesmo fiz bastante coisa no meu instrumento. Regi algumas vezes, porque, às vezes, Brown precisava se afastar um pouco pra ouvir como estava o groove. No Vai Quem Vem a regência era feita com timbales. Então eu saía do timbau e ia pro timbales.

 

O Robernose nasceu nessa época da Vai Quem Vem, a gente tava ensaiando uma coisa particular da carreira de Brown, então tinha que reduzir o número, mas tinha que soar que tinha mais gente e nisso veio a ideia de botar os 3 surdos no tripé. A gente nem tinha o tripé que fabrica hoje, a gente usou uma mesa da LP que tinha de colocar efeitos, a gente desmontou ela, tirou todas as peças laterais, deixou o meio e dali criou uma coisa pra prender e botar o surdo de meio e os surdos das pontas e usando esse tripé como base. O robernose nasce da necessidade de ter essa massa sonora, mas com menos gente tocando, no caso, uma pessoa fazendo a função de três.

 

Eu, particularmente, no meu instrumento, dei muito da minha contribuição, porque eu já tocava, conhecia muita coisa de ritmo, de variadas, por estar ali convivendo com eles e também as coisas que escutei e absorvi nos meus estudos, então eu chegava lá e aplicava isso também no meu instrumento e cada um dava um pouquinho. Essa coisa de, por exemplo, tocar o surdo e usar todos os sons e todos os cantos do instrumento. Leo tinha muito isso uma facilidade de tocar em vários cantos do instrumento, ele desenvolveu isso, de certa forma. Isso deu possibilidade de criar outros ritmos também, de som, de timbre, Leo fazia isso. Boghan com a ideia de virar o instrumento, cada um deu sua contribuição. Agora basicamente sobre ritmo mesmo, vinha muito de Brown, porque ele já vinha com as ideias.

 

Na Timbalada, eu também tive a função de reger, de ensinar, porque sabia muita coisa que foi herdada do Vai Quem Vem, então eu sabia as claves, sabia os ritmos que a gente já tocava lá e só fez transpor pra Timbalada. E tinha essa turma que tava chegando e também ajudava nesse processo de passar as coisas pra galera que tava chegando, que era muita gente. A banda aumentou até fazer os arrastões, até gravar a primeira música Conceição, depois gravou Canto pro Mar. Enfim, a banda foi pegando e o Vai Quem Vem foi ficando em segundo plano. Vai Quem Vem tinha uma longa estrada tinha um caminho que foi interrompido, mas contribuiu muito pra Timbalada”.

 

Gustavo Di Dalva, musicista. Depoimento concedido ao blog em conexão virtual Salvador – Nova York. Maio de 20.

“Eu cheguei muito jovem no Candeal, 11 pra 12 anos, era 1990 por aí, quando ainda não existia a escola Pracatum. Existia um movimento dos moradores, pessoas que encontraram Brown no caminho, querendo virar músico, investir na arte, descobrir um dom ou explorar esse dom, a partir dali.

 

Ultimamente eu tenho falado sobre isso, tenho revisitado esse passado próximo. Eu tenho uma relação com Brown de família mesmo, ele frequentou muito a minha casa, onde fui criado. Eu sou afilhado de Tony Mola, meu padrinho-pai que foi parceiro de Brown na Acordes Verdes (a banda de Luís Caldas). Eles começaram o movimento, isso é fruto de um sonho.

 

Tudo que veio acontecendo com a percussão tem a parte antes e depois deles. Foram responsáveis por todo esse movimento que aconteceu com a percussão que se desenvolveu, a partir desses encontros lá em casa e outros amigos percussionistas. Eles estavam fazendo laboratório, enxergando novas possibilidades para a percussão baiana e tinham esse núcleo lá, onde eles estudavam.

 

Isso foi no Taboão, era a casa que a gente tinha, a minha mãe era doméstica e eu fui apadrinhado por Tony, quando nasci. Eu fui criado convivendo com essa turma de percussionistas que iam todos pra lá, por conta de meu padrinho ser o  primeiro percussionista a ter estúdio, um lugar pra tocar sem que ninguém reclamasse e que pudessem fazer pesquisas e estudar e, por isso, muita gente foi pra lá. Eles estavam nessa busca. Eu tenho essa relação com Brown desde aí em 1985 -7, eu tinha 5, 7 anos.

 

Lá iam Ramiro Musotto, Toni Batera, Vovô Salamandra, era uma turma que estava descobrindo outras possibilidades, porque até então a gente só tinha o afro-baiano e o samba, claro, como grande influência, a percussão de rua, as baterias, mas só existia um ritmo que era o samba afro. Então todas as percussões de rua tocavam o mesmo ritmo, enfim acho que a inquietude deles era essa: vamos criar uma coisa, uma batida, vamos descobrir, pode misturar isso, pode misturar aquilo, eles estavam nessa pesquisa. Tanto que Neguinho do Samba também chegou aí, conheceu essa turma e desenvolveu o samba-reggae através disso também. Brown até conta isso numas postagens do Instagram, ele lembrou dessa época. E foi bem o que eu vi, inclusive isso: Neguinho do Samba criar o samba-reggae, parte dali também.

 

Então eu venho dessa convivência com eles. E quando Brown criou o Vai Quem Vem, com os meninos do Candeal, ele me chamou pra fazer parte. Ele disse: a gente vai fazer uma apresentação na Estação da Lapa. Era um projeto de shows às 18 horas, eu fui ver, adorei, era bem progressivo o Vai Quem Vem, tocava hip hop, uma coisa que não era muito comum no Brasil ainda, era tudo novo, aquela percussão toda…  e aí eu fui pro Candeal, já indo pros ensaios.

 

Candeal era barro, comunidade mesmo, eram ensaios semanais , geralmente aos sábados, às vezes sexta e sábado, até a gente ir gravar com Sérgio Mendes (1992). Tinha muitas visitas porque Brown tinha o projeto social e ele mostrava o que tava fazendo e já tinha conexão com muitos artistas e muitos produtores. Então essa galera ia lá comer o feijão de dona Madalena e a gente tocava um pouco, fazia uma mini apresentação.

 

Naquela época, eu não sei se vou recordar todos, mas tinha Boghan, Leo Bit Bit, Brito, Nito, Denilson (cantor que faz os tripés, faz aros de surdo), Folka (cantor), Alexandre Guedes (cantor), Renato Trovoada (timbau), Cosminho (bacurinha), Leninho (surdo virado), Vado (fundo) tinha uma galera do Alto Saldanha que ficou sabendo da banda e migrou pro Candeal, e eu tocava timbau. Não era um grupo muito grande não, tinha uns 15, 20, diferente da Timbalada que já começou com 50. Porque aí também veio muita gente de fora, vieram os meninos de samba e tal.

 

Antes do Vai Quem Vem, os meninos já tinham um grupo de samba ali no Candeal , Leo, Boghan e mais uma galera, essa coisa de samba de bairro, o samba junino. Eles já tinham esse grupo, Samba Alameda, e estavam coletando recursos pedindo a lojistas, donos de bar, a comunidade , vizinhos. Brown já viajava, já tinha uma carreira, eles pediram ajuda a ele. Brown deu e nisso enxergou que podia fazer uma coisa com os meninos e foi daí que começou a fazer o Vai Quem Vem.

 

Brown tinha uma conexão muito forte com Neguinho do Samba, que deu muita força pra ele fazer os instrumentos, levou no menino que fazia os surdos do Olodum. E falou: você tem que fazer uma coisa pra bastante gente, seu projeto é legal, seus ritmos são legais, mas você tem que criar um ritmo pra botar todo mundo pra dançar. Ali foi o início. Eu não tocava nessa época, mas sei dessa história. Brown foi um visionário, ele foi enxergando que podia ir muito mais além do que imaginava.

 

o laboratório Vai Quem Vem          

 

Com o Vai Quem Vem tinha esses ensaios que a gente fazia semanais na OAS, não tinha nem aqueles prédios lá, cada um carregava seu instrumento, às vezes, a gente ensaiava na casa de Brown, mas aí incomodava os vizinhos e a gente passou a ensaiar na OAS. Depois ele fez um estúdio na casa dele (de Madalena), então a gente fez umas coisas lá também, mas quando a gente ia experimentar, tocar com volume, a gente ia pra rua.

 

Cada um fazia uma coisa, mas basicamente partia de Brown muita coisa, porque era a pesquisa dele, era a busca dele, era o que ele estava experimentando, a gente só estava ali pra executar. Até o momento que se permitiu que cada um fizesse alguma coisa. Eu mesmo fiz bastante coisa no meu instrumento. Regi algumas vezes, porque, às vezes, Brown precisava se afastar um pouco pra ouvir como estava o groove. No Vai Quem Vem a regência era feita com timbales. Então eu saía do timbau e ia pro timbales.

 

O Robernose nasceu nessa época da Vai Quem Vem, a gente tava ensaiando uma coisa particular da carreira de Brown, então tinha que reduzir o número, mas tinha que soar que tinha mais gente e nisso veio a ideia de botar os 3 surdos no tripé. A gente nem tinha o tripé que fabrica hoje, a gente usou uma mesa da LP que tinha de colocar efeitos, a gente desmontou ela, tirou todas as peças laterais, deixou o meio e dali criou uma coisa pra prender e botar o surdo de meio e os surdos das pontas e usando esse tripé como base. O robernose nasce da necessidade de ter essa massa sonora, mas com menos gente tocando, no caso, uma pessoa fazendo a função de três.

 

Eu, particularmente, no meu instrumento, dei muito da minha contribuição, porque eu já tocava, conhecia muita coisa de ritmo, de variadas, por estar ali convivendo com eles e também as coisas que escutei e absorvi nos meus estudos, então eu chegava lá e aplicava isso também no meu instrumento e cada um dava um pouquinho. Essa coisa de, por exemplo, tocar o surdo e usar todos os sons e todos os cantos do instrumento. Leo tinha muito isso uma facilidade de tocar em vários cantos do instrumento, ele desenvolveu isso, de certa forma. Isso deu possibilidade de criar outros ritmos também, de som, de timbre, Leo fazia isso. Boghan com a ideia de virar o instrumento, cada um deu sua contribuição. Agora basicamente sobre ritmo mesmo, vinha muito de Brown, porque ele já vinha com as ideias.

 

Na Timbalada, eu também tive a função de reger, de ensinar, porque sabia muita coisa que foi herdada do Vai Quem Vem, então eu sabia as claves, sabia os ritmos que a gente já tocava lá e só fez transpor pra Timbalada. E tinha essa turma que tava chegando e também ajudava nesse processo de passar as coisas pra galera que tava chegando, que era muita gente. A banda aumentou até fazer os arrastões, até gravar a primeira música Conceição, depois gravou Canto pro Mar. Enfim, a banda foi pegando e o Vai Quem Vem foi ficando em segundo plano. Vai Quem Vem tinha uma longa estrada tinha um caminho que foi interrompido, mas contribuiu muito pra Timbalada”.

 

Gustavo Di Dalva, musicista. Depoimento concedido ao blog em conexão virtual Salvador – Nova York. Maio de 20.