mulheres na percussão: ratinha relembra a formação da “bolacha maria”, a primeira banda feminina do candeal.

Imagem: Ensaio da banda Bolacha Maria. Acervo Pessoal de Ratinha.

A percussionista Rosemeire Silva Santos nasceu no Candeal, em 1981. Foi uma das integrantes da Bolacha Maria e daí veio seu apelido, Ratinha, pois ela se movia rapidamente, mexendo nos kits de instrumentos que o roadie preparava nos shows da banda feminina do Candeal.

Bolacha Maria é um dos rebentos do movimento percussivo liderado por Carlinhos Brown que, em 1994, idealizou uma formação original onde misturava instrumentos tradicionais como surdo, agogô com outros não tradicionais como panela, tampa de panela, taco, bacia, como instrumentos de efeito

Como instrumento de base se destaca o atabule (uma espécie de atabaque com pele de couro e alça de bule, uma invenção de Carlinhos, especialmente pensada para a banda).

Regida pelo maestro Boghan Gabbot e coreografada por Carla Fabianny, a banda era composta por cerca de 14 meninas, entre 15 e 21anos, e cada uma tocava vários instrumentos. A musicalidade da Bolacha Maria variava em cima do samba de roda e fazia os ritmos do Candeal, tocados pela Timbalada.

“O nome Bolacha Maria vem, segundo Carla Fabianny da ideia de dar uma bolachada no preconceito. Carla diz que a escolha dos instrumento e das composições da banda devem também se orientar pela valorização do feminino”. (In Folha de São Paulo, 4.5.94)

Para Ratinha, “A Bolacha Maria veio em uma época pra socializar nós, mulheres, que não tínhamos muitas oportunidades nem no cenário musical nem profissional. Na época, as opções eram ser dona de casa, faxineira, lavadeira como nossas mães e avós. A mulher era moldada pra isso, e a Bolacha Maria veio pra mostrar que não era bem assim”.

Bolacha Maria veio pra me educar como artista, como ser humano e como mulher” 

“Bolacha Maria foi pra mim o ponta pé inicial pra tudo, só acrescentou na minha vida. A gente tinha curso de etiqueta, de informática, dança, através de parcerias com instituições, quem quisesse fazer fazia. Servia pra dar consciência e a Bolacha Maria veio pra me educar como artista, como ser humano e como mulher. Respeitar a mim e ao próximo. A mesma educação que eu tive em casa tive na Bolacha Maria.

Minha mãe era lavadeira, minha avó também. Tinha muita lavadeira no Candeal, e eu ajudava minha avó a levar a roupa aqui nas casas da Valdemar Falcão. Eu andava muito com minha avó, onde ela ia eu tava atrás e eu tive a felicidade de ser educada por minha avó, que era muito rígida. Ela dizia: Você vai pra Timbalada, mas eu quero você em casa 18 horas!

No início da Bolacha Maria não dava pra ganhar grana não, ganhava muita felicidade. Para os ensaios, a gente ganhava vale transporte, mas ia a pé pro ensaio e trocava o vale na lanchonete. A gente comprava feijão, arroz pra casa. A gente ganhava um cachezinho simbólico nos festivais, por show. Meu primeiro cachê, foi junto com minha irmã, que também tocava: vamos comprar um guarda roupa, que a gente não tinha, depois a gente comprou um beliche, porque a gente dormia 2 numa cama só, então serviu pra se organizar”.

Essa “organização” feminina é muito mais ampla do que a presença das mulheres no mundo da percussão. Muitas das moças que integraram a Bolacha Maria não seguiram a carreira musical, mas aprender a tirar sonoridades dos utensílios domésticos lhes deu instrumentos de transformação e de reposicionamento social.

A Bolacha Maria esteve em atividade durante os anos de 1994 a 1996 fazendo viagens nacionais e turnês pela Europa. Foi um dos primeiros grupos percussivos femininos de Salvador (ao lado da banda Didá, no Pelourinho) e abriu caminhos para a imensa presença de mulheres na percussão no Brasil e no mundo.

Referências:

Todos os trechos citados em entrevista concedida ao Blog por Ratinha em 14.02.19, no bairro do Candeal.

Folha de São Paulo, Meninas baianas trocam panela por timbau. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1994/5/04/ilustrada/1.html