“irmão, como é que eu faço pra tocar aqui?”

Imagem: Gato Preto. Acervo Pessoal.

“Cheguei no Candeal no final de 1992. Eu vim aqui, num domingo, num ensaio da Timbalada. Fiquei na escadaria olhando lá de cima, eram umas cinco horas da tarde, era verão, vi tudo e pensei: vou descer aí e ver como é isso de perto, tinha alguns músicos que eu já conhecia. Aí entrei em contato com Sinho China e perguntei: irmão, como é que eu faço pra tocar aqui? Ele disse: tem ensaio amanhã aqui na OAS, venha pô!

 

E eu fui…. chegando lá os ensaios eram abertos e aconteciam na entrada do Candeal onde tinha um canteiro de obras da Construtora OAS.  Os ensaios eram divididas em Alas, então tinha vários regentes Careca, Gilvan (regentes da ala timbau), Sidney Argolo (regente da ala de bacurinha) e Sinho China (regente da ala de surdo). Em cada área tinha uma ala ensaiando. Lá pelas 4 horas da tarde Carlinhos chegava e juntava todo mundo pra ensaiar fazendo a grande regência. Era um laboratório muito importante. Ali foi sim, um trabalho de laboratório de onde saíam os músicos da Timbalada, Arrastão, etc.

 

O primeiro instrumento que me apaixonou foi o surdo, não existia robernose, existia o surdo de meio e o surdo de ponta. E quando eu vi o surdo de meio tocado com aquela elegância…  por Sinho China, Xuxupa e Tarso, Eu falei: rapaz eu não saio mais daqui não!

 

A formação era completamente diferente do que eu conhecia. Brown pensava e pensa no LR. Ele cruzava em sonoridade e afinações diferentes, ele botava um surdo 22 e um surdo 24, um 24 um 22, um 22 e 24, então você ouvia um som aberto, estéreo. Aí tinha o surdo de meio e os surdos de ponta. Brown fazia surdo de meio e surdo de ponta, efeito, bacurinha e timbau. Entre esses surdos tinha mais outra fila de timbau, atrás outra fila com mais 3 timbaus. Quem regia a banda era o mestre Carlinhos Brown e os contramestres Cabo Del e Tio Pequeno. Era tamanquinho, pixote, funk ijexá, quantos ritmos não vieram da fusão desses ritmos?

 

Outra coisa que me deixou muito feliz foi a educação ao tocar o instrumento que muda também o timbre. A mão vinha lá em cima, era tudo brabo, quando eu cheguei aqui (no Candeal), percebi que os caras tocavam e a mão não subia, não pode levantar a mão. Brown tinha essa preocupação, ele pegava muito no pé: tá levantando a mão! Então quem entrava nesse movimento tinha que começar a se educar, se adaptar.

 

Afinação e timbragem

 

Realmente eu gosto de afinar os instrumentos com o som dos instrumentos, ou seja, se eu não conhecer o timbau eu não posso afinar, eu preciso conhecer, saber o que o instrumento tem. O atabaque tem que ter som de atabaque, a gente sabe que o rum é grave, então a gente tem que valorizar aquela região do grave, tem que pensar essa coerência, saber que o instrumento é.

 

Essa coisa da timbragem me cativou, uma coisa que eu gosto muito é do som da baqueta desforrada. Eu ficava me perguntando: o que essa galera faz que o som é diferente? eu não sabia porque, mas é diferente porque a baqueta é desforrada, assim não sobra muito, o som fica no lugar.

 

O surdo de meio não tinha aquele kic que normalmente tem, aí depois eu fui entendendo que a bacurinha não era repique, era menor, e as baquetas dos surdos eram desforradas, então o poder de absorção era diferente e o timbau, tudo bem era som de timbau, mudava porque eram 10 timbaus tocando ao mesmo tempo.

 

Eu continuo participando da Timbalada Século XXI. Participei do Camarote Andante, Eletrotimba, Munkindala e a Duo Machine é meu projeto atual, uma mistura da música convencional percussiva com a percussão digital. Este projeto, criado por mim e Rafael Gruetz, ganhou um grande impulso a partir do curso Processo Fonográfico, que fiz aqui na Pracatum”.

 

Gato Preto in depoimento na aula de percussão de Jair Rezende, Escola Pracatum, 2018