“hoje eu sou visto até aqui, na ALBA, né. Olha onde eu ‘tô’, ‘tô’ no púlpito que limpei quando vim trabalhar”

“Um lindo dia de Santo Antônio, um dia que ainda haverá muitas comemorações em nome desta presença magnânima, de Antônio e de ogum em nossas vidas.

[…]Hoje nós consolidamos aqui e viemos de galera, né, porque esse galardão é um resultado da nossa comunidade, assim como eu sou um resultado da comunidade, e antes de falar eu quero saudar a mesa, porque assim deve ser.[…]

A comunidade do Candeal, tem sido um dos espelhos de importância para o meu viver, muito mais do que eu para comunidade, porque essa riqueza encontrei lá, essa riqueza não é minha, encontrei na minha comunidade e por isso quero deixar como exemplo para a ‘garotada’ de que possa lhe faltar à escola, mas não deixe que as curiosidades lhe faltem, porque ao seu redor vai ter gente sapiente, vai ter gente com informações que vai trazer um novo momento para você. […]

Eu sou muito feliz por ter nascido no Candeal, por ser devoto de Santo Antônio, por “tá” em um lugar considerado terreiro dos terreiros, por ali ter o primeiro assentamento de “elegbara” e “pesango” e essas energias, elas são frutíferas. Eu sou sim filho das inquices, dos orixás, dos vodus e até misturo tudo isso. Faço uma misturada danada quando escrevo minhas músicas, justamente porque foi assim e porque essas minhas misturas não vêm da certeza, ela vem de um aditamento e de algo que vai ser esclarecido ao longo do tempo, e vai ser esclarecido por todas as etnias que aqui vieram se condensar para gerar esse novo olimpo ao mundo.

Carlinhos Brown é um resultado do pai, da mãe e das ruas. A rua me batizou com esse Brown que poderia vir de lugares incomuns e dentro da Bahia tinha uma história, né, que se fosse Brown você estava desconectado com elegância da cidade, era completamente diferente do que o ilê Aiyê dizia. […]Porque cada tema que o Ilê Aiyê trazia, como trouxe Kennedy, Desmond Tutu, tudo, o ilê Aiyê trouxe tudo para a gente e todos esses segmentos foram se fortalecendo ali, com outras grandes lideranças, porque era necessário ter em cada comunidade lideranças dos grupos afros, para que isso viesse a crescer. […]

 

 

Hoje eu sou visto até aqui, na ALBA, né. Olha onde eu ‘tô’, ‘tô’ no púlpito que limpei quando vim trabalhar e tenho o mesmo carinho agora. Porque esse é um lugar aonde a fala ganha ouvidos, mas eu peço licença a vocês para extinguir totalmente essa homenagem ao artista Carlinhos Brown, sem desmerecer a homenagem e trazer aqui a verdadeira pessoa que me trouxe a esse lugar.

A paralela nasceu para desenvolver a Bahia e não se vai ao mundo com a velocidade que você imagina. Para eu chegar ao aeroporto foi necessário antes chegar na rodoviária para carregar compras do antigo supermercado Paes Mendonça, que nasceu primeiro ali, né, que o próprio Iguatemi, para a rodoviária que não tinha nenhuma passagem quando a SENAT foi ver ali. Juntei com os meninos, que também não tinha carregador de supermercado e a gente fez a chamada pinguela, que a gente, né, para ajudar a passar o camurujipe e a primeira ponte que se fez ali foi com os pivetes adolescentes. Fizemos e nisso a gente atravessava com as compras para ajudar as pessoas que faziam grandes compras, que vinham do interior do estado ali, para rodoviária. Esse foi um dos caminhos.

Meu segundo caminho mais adolescente, minha mãe disse “Você vai precisar de um emprego, você vai precisar trabalhar para ajudar a casa” e minha mãe conseguiu me fichar no que nós chamamos “Gata”. ‘Gata’ é uma empresa que trabalha para outra empresa, chamada EMBRASEL. Primeiro eu trabalhei no CEPD e depois vim trabalhar onde minha mãe estava trabalhando, que era no DERBA, Departamento do Estado de Rodagem que é aqui embaixo e o que é que se tem para fazer no DERBA? Limpar os banheiros, limpar os andares e cada um tinha seu revezamento nos porões e de acordo ao comportamento, aquele porão também era um lugar de ensinamento. O cabo de turma fazia assim, até o saúdo, saudado muito Playboy, Mira, Osvaldo, Crescenso, as pessoas que trabalhavam comigo e que também vinham em coletivo deixar lustrosamente bonito, essas pedras, esses pisos aqui que eram feitos com enceradeiras grandes.

Tudo isso eu passei e tenho orgulho, porque não existe vitimismo nisso, existe aprendizado, não existe dor nisso, mas existe o legado da atenção, então, Antônio Carlos Santos de Freitas o servente ou maluco como me chamavam, pelas brincadeiras, pela dança, chega aqui hoje muito direcionado pela educação e formação da minha mãe. Minha mãe, essa honraria eu peço desculpas para lhe devolver. A senhora me trouxe até aqui, eu te amo e acho incrível as mães e mães como a senhora, ter essa força de muito nova ainda aos 14 anos, ter a liderança de trazer seu filho, mantê-lo. A senhora só tem quatorze anos diferente de mim, dezesseis, desculpe minha mãe. Dezesseis anos de diferença.[…]

[…] Sua condução, minha mãe é essa que, aquela vassoura que a senhora me deu, aquela enceradeira que a senhora me ensinou a passar gerou meu caminho. […] Se me chamam de estrela, a senhora me ensinou esse polimento, essa indicação, então por que estou lhe reverenciando? Um, porque a senhora merece e o outro sentido é que sem os nossos pais, sem essa observação ao centro, ao pai, ao professor, ao mestre, não há caminho polido.

Poderemos chegar a grandeza, a púlpitos altos, mas eles serão escorregadios, porque nele não estará o calço da base, não estará a extensão do agradecimento e do aprendizado, porque é na senhora, é nos meus mestres que ainda posso corrigir meus erros e hoje eu estou muito feliz ao Candeal, ao trabalho de Selma, de Rute, de Vera, de Ivana, ao trabalho dos meninos da timbalada, ao pai Pote, que me acompanha há muito tempo. As baianas de sempre, ao vovô Clarindo que eu me lembro muito.

Um dos orgulhos que eu tenho com Clarindo, que ele disse “Nós vamos fazer um trabalho aqui, para revitalizar o pelourinho o tempo inteiro.” Você  ‘vê’ que ele continua nessa coisa[…]

Como a Bahia deu a Gil o reggae e o compasso, o pelourinho me deu também “aguidavis” e “baquetas”, para extensão do meu pensamento, a ponto de eu compreender muito mais imediatamente toda a missão de seu Mateus Aleluia, dos ticoans. Toda missão do candomblé, aqui para conosco.

O pelourinho me levou uma missão maior, que era ressignificar o mercado do ouro como ponto de força escravocrata na Bahia. Ele hoje pertence a nossa cultura. Ele é o único mercado hoje, do século dezoito de pé e nós vamos fazer sim, ali um trabalho de ressignificar toda essa postura também. […]

Todos esses irmãos eu quero agradecê-los de verdade e dizer que hoje é o dia muito especial para nós, que a liberdade continue fazendo parte dos nossos caminhos e que eu vou levar essa medalha, mas vou levar com a mesma força que eu me levo quando vou para Bahia, levo junto, nós vamos levar juntos.[…]

“Como aprendi com Gil e filhos de Gandhi, quem está feliz levanta mão e dá um grito?”

Ajayô.”